O mercado imobiliário brasileiro, dinâmico e em constante evolução, apresenta desafios significativos para os profissionais do setor. Um dos maiores é a prevalência de imóveis com alguma forma de irregularidade documental, um cenário que, segundo o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, atinge 50% das propriedades no país.
O corretor de imóveis exerce papel fundamental como intermediador, sendo responsável, além de aproximar comprador e vendedor, também por garantir segurança jurídica ao negócio. Portanto, essa realidade exige do corretor não apenas conhecimento aprofundado sobre o mercado, mas também um entendimento sólido da legislação e das melhores práticas para mitigar riscos.
Este artigo visa explorar a responsabilidade do corretor de imóveis, os riscos envolvidos na intermediação de propriedades irregulares, e as estratégias para uma atuação profissional e ética.
Base legal da responsabilidade do corretor de imóveis
A atuação do corretor de imóveis é regulamentada por diversas leis e normas que estabelecem suas responsabilidades e deveres. O Código Civil, em seu artigo 723, é enfático ao dispor que o corretor deve executar seus serviços de intermediação com diligência, prudência e prestando todas as informações que envolvam o negócio. Isso significa que o profissional não pode omitir qualquer dado que possa influenciar na decisão do cliente, seja sobre a segurança, os riscos, as alterações de valores ou outros fatores relevantes.
Além do Código Civil, a Lei 6.530/78 e o Decreto 81.871/78 regulamentam a profissão, exigindo formação técnica em transações imobiliárias e registro no Conselho de Corretores de Imóveis (CRECI). Essas normativas, juntamente com o Código de Ética Profissional, reforçam a necessidade de o corretor agir com zelo, discrição, lealdade e probidade.
Venda de imóvel irregular: riscos e consequências
Um imóvel é considerado irregular quando sua situação fática (o que existe de fato) não corresponde ao cadastro na prefeitura e/ou ao registro de imóveis. As irregularidades mais comuns incluem a falta de pagamento de impostos como IPTU, ausência de escritura, divergências na matrícula, construções e ampliações não averbadas, e a falta do “Habite-se”. Estudos indicam que cerca de 50% dos imóveis no Brasil possuem algum tipo de irregularidade.
Em regra, é permitido vender imóveis irregulares, especialmente quando as pendências são de natureza fiscal ou cadastral. No entanto, o corretor e o vendedor devem ser totalmente transparentes, apresentando o imóvel em sua totalidade para evitar futuras responsabilizações.
Há dois casos, porém, que impedem a venda: a falta de registro da escritura e o loteamento irregular. Na ausência de registro da escritura, o vendedor não é reconhecido como proprietário no Cartório de Registro de Imóveis, impossibilitando o registro do contrato de compra e venda de imóvel. Já a venda ou promessa de venda de parcelas de loteamento ou desmembramento não registrado constitui crime contra a Administração Pública, com pena de reclusão e multa.
Os riscos jurídicos de vender imóveis com pendências na matrícula são significativos e podem gerar prejuízos a todas as partes envolvidas – vendedor, comprador e corretor. O registro da negociação pode ser inviabilizado, e o financiamento imobiliário negado.
Caso o corretor intermedeie a venda de um imóvel irregular sem informar o comprador, ele poderá ser responsabilizado por eventuais prejuízos. Isso inclui:
- Responsabilidade Civil: a responsabilidade civil do corretor decorre do não cumprimento de suas obrigações, como a falta de diligência, prudência ou a omissão de informações sobre o negócio. Ele pode ser responsabilizado por perdas e danos se não esclarecer os riscos do negócio ou alterações que possam afetar os resultados da intermediação.
- Responsabilidade Penal: em casos de loteamento irregular, o corretor que faz ou veicula afirmação falsa sobre a legalidade do loteamento, ou oculta fraudulentamente fatos a ele relativos, comete crime contra a Administração Pública.
- Responsabilidade Administrativa: a falta de cumprimento das obrigações profissionais pode levar a processos administrativos junto ao CRECI, com possíveis sanções como multas e suspensão do registro.

Jurisprudência e casos práticos
A crescente onda de condenações judiciais contra corretores de imóveis e imobiliárias ressalta a importância de observar as condições jurídicas do imóvel.
A jurisprudência brasileira vem confirmando a responsabilidade do corretor quando ele não age com a diligência exigida. No Resp 1.266.937/MG, o Ministro Relator, Luis Felipe Salomão, do STJ, em seu voto, julga de forma clara:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO DE TESE. IMPRESCINDIBILIDADE. CORRETORA QUE INTERMEDEIA A CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA QUE, DESDE A ORIGEM, MOSTRAVA-SE NULO, VISTO QUE A VENDEDORA TIVERA A FALÊNCIA DECRETADA CERCA DE UM ANO ANTES E O BEM IMÓVEL ENCONTRAVA-SE PENHORADO. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. POSSIBILIDADE. 1. É inequívoco que o corretor de imóveis deve atuar com diligência, prestando às partes do negócio que intermedeia as informações relevantes, de modo a evitar a celebração de contratos nulos ou anuláveis, podendo, nesses casos, constatada a sua negligência quanto às cautelas que razoavelmente são esperadas de sua parte, responder por perdas e danos. 2. Ademais, a moldura fática aponta, no que as partes não controvertem, que a recorrente promoveu a veiculação de publicidade do imóvel – inclusive, foi o que atraiu a autora para a oferta -, o qual estava há muito penhorado e já pertencia à massa falida, isto é, não estava mais sob a gestão dos administradores da Conenge. Com efeito, apurada a patente negligência da recorrente quanto às cautelas que são esperadas de quem promove anúncio publicitário – ainda que não afirmada a má-fé -, nos termos do artigo 37, § 1º, do CDC, também por esse fato é cabível o reconhecimento de sua responsabilidade, visto que a publicidade mostrara-se idônea para induzir a consumidora em erro. 3. Em relação à denunciação da lide, a decisão tomada pelo Tribunal de origem decorreu de fundamentada convicção, amparada na análise dos elementos existentes nos autos, tendo sido constatado pelas instâncias ordinárias que a autora havia sido lesada, já tendo pago todo o preço do bem imóvel quando procurou o Cartório, de modo que a eventual reforma do acórdão recorrido esbarra no óbice intransponível imposto pela Súmula 7 desta Corte. 4. Recurso especial não provido.
(STJ – REsp: 1.266.937/MG 2011/0115932-7, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 06/12/2011, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2012)
Um exemplo prático de que o corretor, em caso de dúvida sobre a regularidade do imóvel, deve buscar todas as informações detalhadas antes de fazer a oferta dele ao público. Neste caso específico, demandaria a análise completa da regularidade do proprietário.
Neste outro caso, o corretor também foi condenado uma vez que no contrato celebrado entre as partes, não havia indicação do número de registro do loteamento no qual se encontrava o imóvel, sendo que o correto deixou de observar o previsto no artigo 20, V, da Lei 6.530/78:
APELAÇÃO. COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZATÓRIA. LOTEAMENTO IRREGULAR. Sentença reconheceu a ilegitimidade passiva do requerido Jair Mariano de Abreu Junior e deu parcial procedência aos pedidos, para determinar a rescisão contratual com a restituição dos valores pagos e condenou os réus ao pagamento de R$ 5.000,00 em favor dos autores a título de dano moral. Responsabilidade solidária do corretor de imóveis. Cabimento. Corretor de imóveis que deixou de observar o dever previsto no art. 20, inciso V, da Lei nº 6.530/1978. Responsabilidade solidária caracterizada. Precedentes. No tocante aos danos morais, o quantum indenizatório fixado está em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Decisão reformada. Recurso parcialmente provido.
(TJ-SP – Apelação Cível: 1000237-35.2021.8.26.0534 Santa Branca, Relator: Hertha Helena de Oliveira, Data de Julgamento: 07/05/2024, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/05/2024)
Iguais a estes casos há muitos outros, de forma que o corretor deve se proteger antes de tudo, fazendo uma excelente due diligence antes de anunciar o imóvel.
O papel do corretor de imóveis frente a imóveis irregulares: boas práticas e prevenção de riscos
Diante do cenário de imóveis irregulares, o corretor de imóveis desempenha um papel essencial para garantir a segurança das negociações. A análise de risco é uma obrigação profissional que visa verificar possíveis pendências que possam comprometer a transação.
Como verificar se o imóvel está irregular e como agir diante de um caso de irregularidade:
- Análise documental prévia: o corretor deve analisar a documentação imobiliária, verificando alvarás, matrícula atualizada, escritura registrada, certidões negativas de débitos, habite-se e a regularização de benfeitorias não averbadas. Esta diligência prévia é fundamental para trazer segurança jurídica às partes e ao serviço do corretor.
- Transparência e informação: é importante que o corretor analise a regularidade do imóvel e informe ao cliente sobre eventuais irregularidades e os riscos decorrentes delas. A observância de irregularidades não impede a venda, mas exige que o adquirente esteja ciente, que o valor do imóvel seja adequado à irregularidade, e que medidas para minimizar os riscos sejam tomadas.
- Regularização: ao identificar irregularidades, o corretor deve orientar a regularização do imóvel em cartório digital ou presencial. A regularização antes da venda pode valorizar o imóvel, enquanto a aquisição de um imóvel irregular pode ser uma oportunidade para o comprador, que pode negociar um valor menor para arcar com os custos da regularização.
- Comunicação clara e documentada: toda a comunicação, desde a captação do imóvel até o fechamento do negócio, deve ser documentada. Isso inclui a ficha de captação, documentos do imóvel e do vendedor, laudo de vistoria, contrato de corretagem, propostas, fichas de visita, certidões negativas e declaração sobre os custos do negócio.
Em complemento às análises e ações práticas sobre a regularização imobiliária, é fundamental que o corretor de imóveis formalize sua atuação profissional. Dessa forma, é possível minimizar riscos jurídicos e fortalecer a confiança do cliente e a reputação do corretor no mercado. Alguns exemplos de procedimentos preventivos incluem:
- Contrato escrito: o contrato de corretagem é o principal instrumento para formalizar a relação com o cliente, devendo constar remuneração, forma de pagamento, obrigações e responsabilidades das partes, e penalidades em caso de descumprimento.
- Diligência e prudência: o corretor deve demonstrar interesse e cuidado na execução da tarefa (diligência), conhecendo o imóvel e todas as circunstâncias do negócio. Ter prudência significa prever e evitar perigos, analisando e verificando previamente as informações a serem repassadas.
- Informações espontâneas: o corretor não deve esperar ser questionado, mas sim expor proativamente todos os riscos, impostos, débitos, documentos necessários para financiamento e o funcionamento do registro do imóvel.
- Proteção de dados pessoais (LGPD): embora não explicitamente mencionada nos documentos fornecidos em relação à LGPD, a responsabilidade de proteger dados pessoais é implícita em qualquer transação que envolva informações de clientes. O corretor deve estar ciente das obrigações da LGPD ao coletar, armazenar e compartilhar dados.
Ao adotar essas boas práticas e atuar com diligência, prudência e transparência, o corretor fortalece sua reputação profissional, protege-se contra responsabilidades jurídicas e agrega valor ao seu serviço. Mais do que intermediar negócios, o corretor passa a ser reconhecido como um verdadeiro consultor imobiliário, que entrega segurança e confiança aos clientes em um mercado cada vez mais exigente e competitivo.
Corretor e advogado: uma parceria estratégica para evitar riscos
Contar com o auxílio de um advogado especializado em direito imobiliário é altamente recomendado para dar mais segurança e rapidez ao processo de regularização e intermediação de imóveis. Essa parceria demonstra profissionalismo ao cliente e fortalece a confiança na negociação.
O advogado especializado pode auxiliar na análise de risco, na interpretação de documentos complexos, na elaboração de contratos específicos para imóveis irregulares e na condução de processos de regularização. Para o corretor, a assessoria jurídica não apenas minimiza os riscos de responsabilização, mas também o capacita a orientar os clientes de forma mais completa, transformando a intermediação de imóveis irregulares em oportunidades de negócio.
Por outro lado, o corretor traz ao advogado seu conhecimento prático do mercado, dos imóveis disponíveis e do perfil dos compradores e vendedores, permitindo uma atuação mais estratégica e direcionada. Essa colaboração é um diferencial relevante no mercado, garantindo uma experiência segura, eficiente e personalizada da intermediação imobiliária.

Conclusão
A venda de imóveis irregulares é uma realidade no mercado imobiliário brasileiro, e a responsabilidade do corretor de imóveis nesse cenário é inegável. A base legal, os riscos civis, penais e administrativos, e os casos práticos evidenciam a necessidade de uma atuação pautada na diligência, prudência e transparência.
Ao adotar boas práticas, como a análise documental prévia, a comunicação clara e a documentação de todas as etapas do processo, o corretor não apenas cumpre suas obrigações legais, mas também constrói a confiança do cliente e se previne contra futuras responsabilizações. A parceria estratégica com um advogado especializado em direito imobiliário potencializa essa segurança, transformando o desafio dos imóveis irregulares em uma oportunidade para o corretor se destacar no mercado, prestando um serviço completo e de excelência.
Se você é corretor e quer fortalecer sua atuação profissional com o apoio de um advogado especialista em direito imobiliário, entre em contato conosco para conhecer melhor os nossos serviços.
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Marcelo Camara
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direitos Reais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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