A ação de usucapião pode resolver a regularização de um imóvel e pode trazer segurança jurídica para uma família que, por diversos motivos, não detém a propriedade regular do bem, apesar de possuí-lo já há algum tempo. A posse é um dos principais requisitos para se chegar à propriedade.
O nosso ordenamento jurídico, bem como decisões reiteradas dos nossos tribunais, nos ajudam a explicar este tipo de aquisição de propriedade. Os tribunais, principalmente o STJ, são responsáveis pela discussão de casos concretos e definição de temas importantes.
Assim, um estudo da jurisprudência sobre usucapião e regularização de imóveis para a compreensão de como os tribunais vêm decidindo casos sobre o tema é uma importante ferramenta para a escolha da estratégia jurídica. Isso porque pode ser que o caso em mãos tenha alguma similaridade com o que já foi decidido, permitindo ao advogado bem informado utilizar a melhor estratégia para que seu cliente regularize a propriedade da forma mais célere possível.
Por esta razão, neste artigo exploraremos alguns importantes pontos definidos pelo STJ sobre a usucapião. Acompanhe – talvez o seu caso possua alguma particularidade que traremos a seguir!
O que é propriedade?
Antes de nos adentrarmos de fato à análise da jurisprudência sobre usucapião e regularização de imóveis, vamos abordar alguns conceitos básicos que são indispensáveis para o tema: posse e propriedade.
Em nosso ordenamento jurídico, a propriedade é o direito que um sujeito exerce sobre um bem, nos termos do artigo 1.228 do Código Civil. Para se adquirir a propriedade de um bem móvel, há a necessidade de se comprovar a tradição. Já para a aquisição da propriedade do bem imóvel, temos que comprovar o registro, tudo conforme o artigo 1.227 do CC.
Dessa forma, para se tornar proprietário no Brasil há uma formalidade que deve ser cumprida, sem ela o que pode haver é apenas a posse.
O que é posse?
Ao contrário da propriedade, a posse pode advir de uma situação de fato, sem uma relação formal anterior.
O proprietário é possuidor, já que a posse praticamente vem junto com a propriedade na maior parte dos casos. No entanto, o locatário também é possuidor, apesar de não ser proprietário. O contrato de locação cria duas posses paralelas:
- A posse do locador, o dono do imóvel (possuidor indireto); e
- A posse do locatário, que está em contato direto com o bem (possuidor direto).
Agora, há uma posse chamada fática. Esta posse deriva de um contato direto com a coisa sem um motivo, uma causa anterior. Esta posse advém, principalmente, da ocupação de bens abandonados. Porém, diferentemente do exemplo da locação, neste o proprietário conserva a propriedade, mas não tem posse, fruto do abandono.
Posse e Usucapião
A usucapião é um modo de aquisição da propriedade pela posse. Para a posse poder gerar a usucapião, esta posse tem que ter uma característica especial: ânimo de dono. Além disso, precisa dos requisitos específicos de cada usucapião:
- Usucapião judicial e modalidades;
- Usucapião extrajudicial;
- Usucapião familiar, após abandono do cônjuge ou companheiro; e
- Usucapião por herdeiros.
Assim, o locatário, por exemplo, não pode usucapir um bem, pois seu ânimo, sua vontade, é de ser locatário, e não de ser dono – o que é comprovado pelo próprio contrato de locação.
Conforme dispõe o artigo 1.203 do Código Civil, pode haver uma mudança no caráter da posse, ela pode deixar de ser com ânimo de locatário e passar a ter ânimo de dono, mas isso, que se chama INTERVERSÃO DA POSSE, só pode ser verificado a partir de um processo judicial, com amplo contraditório entre as partes e com uma decisão judicial.
A interversão da posse é um conceito do direito civil brasileiro que se refere à mudança na natureza da posse de um bem por parte do possuidor. Basicamente, é quando um indivíduo que originalmente detinha a posse de um bem em nome de outra pessoa (como posseiro, detentor ou locatário) passa a agir como se fosse o verdadeiro proprietário desse bem.
Jurisprudência sobre Usucapião
A jurisprudência é o conjunto de decisões reiteradas dos tribunais sobre uma determinada matéria. Os nossos tribunais julgam diariamente diversos casos sobre usucapião. Alguns temas de suma importância chegam até o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que haja uma definição, uma verdadeira unificação de entendimento. Estas decisões são importantes, pois ajudam a direcionar o trabalho do advogado, conforme veremos abaixo.
Prazo para a usucapião pode ser reconhecido no curso do processo judicial
O STJ definiu no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.361.226, pela Terceira Turma, que o prazo necessário para se usucapir um bem – que varia de acordo com a modalidade de usucapião escolhida –, pode ser alcançado durante a tramitação do processo judicial. No caso analisado pelo STJ, havia a discussão se o prazo tinha sido atingido quando do ajuizamento da ação de usucapião extraordinária.
O argumento central da tese que prevaleceu no STJ, compondo a jurisprudência sobre usucapião, é que o juiz da causa deve considerar o fato constitutivo ou extintivo do direito ocorrido após o ajuizamento da causa. Assim, se o prazo se concretizou já com a ação em curso, este deve ser sim considerado pelo magistrado.
No voto ainda foi lembrado o Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil (STJ/CJF), segundo o qual “o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor“.
Aquisição de metade do imóvel não impede usucapião especial urbana
O STJ julgou outro tema bem interessante. A possibilidade de se usucapir um imóvel utilizando-se a modalidade de usucapião especial urbana, que tem um prazo bem reduzido, mesmo sendo proprietário de parte desse bem.
No REsp 1.909.276 o STJ deixou claro que não se pode inviabilizar a usucapião especial, que impõe como requisito a não propriedade de outro imóvel pelo autor da ação (como forma de privilegiar o direito fundamental à moradia – artigo 6º da Constituição Federal), pois como se trata de parte do imóvel, o autor seria um condômino do bem.
Sendo condômino do bem teria que provar a posse exclusiva e este percentual de propriedade não constituiria o impedimento citado pelo artigo 1.240 do CC, uma vez que, tecnicamente, o autor não teria moradia própria, estando sujeito às regras do condomínio.
Esta decisão é de muita importância para a regularização de inúmeros imóveis que se encontram em condomínio e podem ser adquiridos pelo condômino em um prazo menor de posse.
Cabe usucapião extraordinária em área inferior ao módulo urbano
Também parte da jurisprudência sobre usucapião, importante julgamento ficou definido no STJ sobre a possibilidade de se usucapir imovél com área inferior ao módulo urbano. Os municípios têm uma lei orgânica que define a metragem mínima de lote em cada área do município. Esta escolha é municipal, pois atende aos objetivos e interesses de organização do solo de cada município do país.
O STJ, em sede de recursos repetitivos (Tema 985) entendeu que o reconhecimento da usucapião extraordinária não pode ser impedido se a área discutida for menor ao módulo estabelecido em lei municipal.
Este entendimento é de suma importância, pois se o legislador quisesse impor limite mínimo, teria feito isso quando tratou da usucapião no Código Civil. Além do mais, a usucapião também é uma ferramenta importante de regularização da posse, consequentemente cumprindo a função social da propriedade, estabelecida no artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal.
Ação de usucapião independe de prévio pedido na via extrajudicial
A usucapião pode tramitar de forma judicial ou extrajudicial. O STJ em julgamento do REsp 1.824.133, no qual a Defensoria Pública sustentou que o CPC/15 faculta ao interessado escolher a via judicial ou extrajudicial, foi referendado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
A usucapião extrajudicial é uma outra forma de se solicitar a usucapião e não é necessário seguir por ela em primeiro lugar. A faculdade de se escolher a via a ser utilizada é sempre do autor da ação – e da viabilidade de cada uma, conforme as particularidades da situação.
A relevância da jurisprudência sobre Usucapião
As decisões do STJ clarificam os requisitos legais para a usucapião e também moldam a maneira como esses requisitos são aplicados na prática. Com a evolução das decisões judiciais, novos entendimentos são criados, adaptando-se às realidades sociais e urbanísticas do país.
De toda forma, a busca pela regularização de um imóvel passa sempre pela consulta a um advogado para que ele considere a melhor ferramenta a ser utilizada.
Se a via escolhida for a usucapião, da mesma forma o advogado deverá fazer uma boa análise jurisprudencial a fim de adequar as questões da prática jurídica ao caso concreto em busca da solução mais adequada e célere para o cliente.
Conclusão
A ação de usucapião é uma formas mais utilizadas no judiciário para se alcançar a propriedade de um bem, ou seja, fazer a devida regularização da propriedade.
O judiciário tem enorme quantidade de ações com os mais variados temas e situações. Assim, a análise da jurisprudência sobre usucapião serve de auxílio ao advogado para que possa ajudar seu cliente com a melhor modalidade de usucapião a partir do caso concreto.
Assim, não deixe de consultar um advogado especializado para saber como buscar regularizar seu imóvel. Se você tem dúvidas e precisa de orientação sobre este tema ou gostaria de conhecer melhor os nossos serviços, entre em contato conosco.
Caso tenha gostado do conteúdo, acompanhe as nossas redes sociais (Instagram e LinkedIn) e fique por dentro de todas as novidades do escritório.
Marcelo Camara
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direitos Reais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.