Testamento e sucessão internacional: como dispor de bens no Brasil e no exterior?

O testamento é uma forma simples e direta de planejamento sucessório. Entenda a legislação aplicável e os procedimentos para garantir a validade desses documentos no Brasil e no exterior.
Testamento internacional - CRON

O testamento é uma forma simples e direta de planejamento sucessório. Entretanto, é possível realizar testamento no Brasil em relação a bens localizados no exterior? E seria possível realizar testamento no exterior em relação a bens localizados no Brasil? Qual a legislação aplicável nessas hipóteses? Quais os procedimentos necessários para que um testamento internacional tenha validade no Brasil? 

Este artigo vai explorar essas questões e ajudar a esclarecer as principais dúvidas sobre sucessão e testamento internacional

Planejamento sucessório e patrimonial: o papel do testamento

Uma das formas mais simples e eficazes de se empreender algum nível de planejamento sucessório é a realização de um testamento.

Na ausência de um testamento, a sucessão hereditária se dará norteada pela ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do Código Civil, ou seja:

  1. Primeiro aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, a depender do regime de bens do casamento;
  2. Na falta de descendentes, aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente;
  3. Na falta de descendentes ou ascendentes, ao cônjuge sobrevivente; e
  4. Na falta de descendentes, ascendentes ou cônjuge, aos colaterais até o quarto grau.

Significa dizer que se o autor da herança nada dispor (e o meio hábil para dispor é o testamento), a herança será dividida conforme manda a Lei.

Mas, caso o autor da herança deseje, poderá realizar um testamento, por meio de documento particular ou escritura pública em cartório, por meio do qual poderá dispor quanto a diversos aspectos para após sua morte, incluindo a forma de divisão da herança.

Assim, poderá o testador:

  • Instituir herdeiros testamentários que não seriam seus herdeiros legais originalmente;
  • Instituir legados a herdeiros legais ou terceiros;
  • Dispor sobre a forma como deve ser dividido o patrimônio entre os herdeiros legais;
  • Dispor que um ou outro herdeiro legal tenha uma maior participação na herança;
  • Destinar parte de seu patrimônio a uma fundação, que pode inclusive ser criada a partir do testamento;
  • Dispensar herdeiros que já tenham recebido bens em vida da obrigação de trazer esses bens à colação;
  • Deserdar herdeiros;
  • Dentre outras diversas possibilidades.

A existência de herdeiros considerados “necessários”, os descendentes, ascendentes e o cônjuge, limita a possibilidade de disposição total de bens em testamento, tendo em vista que a legislação prevê que metade dos bens da herança seja considerada a “legítima”, que pertencerá aos herdeiros necessários. Inobstante, o testador ainda poderá dispor livremente de metade de seus bens, viabilizando boa gama de possibilidades de planejamento sucessório.

O que se percebe, portanto, é que a pessoa que pretende planejar a sucessão de seus bens tem ao seu dispor um instrumento simples e prático para efetivar a disposição sucessória. Desde que assessorado por profissionais experientes, um testamento poderá viabilizar que as vontades do testador em relação aos seus bens sejam devidamente empreendidas após sua morte.

Sucessões hereditárias com aspectos internacionais

Com a globalização e a maior velocidade e facilidade de contato e mesmo de presença física em diversos países, não é raro que ocorra uma situação de um brasileiro que, ao falecer, tenha deixado bens no Brasil, mas também no exterior. E também não é raro que haja um estrangeiro que tenha deixado bens em seu país de domicílio, mas também no Brasil.

Nesses casos, há a necessidade de análise das normas de direito internacional privado e de eventual testamento internacional deixado pelo autor da herança para que seja verificada a forma de se empreender o inventário e a partilha de bens, assegurando que ocorram de maneira correta e sem contratempos.

Inobstante, em linhas gerais, é possível dizer que em relação aos bens localizados no Brasil, é necessário que o inventário se processe no Brasil (art. 23, II, CPC).

Isso se aplica, inclusive, ao inventário de estrangeiro com bens no Brasil. Entretanto, a lei aplicável é a do país em que domiciliado o falecido (art. 10º, Decreto Lei 4.657/42). Adiante serão tratados aspectos mais específicos da sucessão internacional/transnacional.

Nacionalidade do de cujus

A nacionalidade do falecido (de cujus) e dos herdeiros não altera o local onde o inventário deve ser processado.

A legislação brasileira prevê que, em relação aos bens localizados no Brasil, compete à autoridade judiciária brasileira proceder ao inventário e partilha, ainda que o falecido seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (art. 23, II, CPC). Assim, pouco importa a nacionalidade do de cujus: se há bens no Brasil, o inventário deverá se processar no Brasil.

Entretanto, ainda que o inventário ocorra no Brasil, a lei aplicável em relação à sucessão é a do país em que domiciliado o falecido (art. 10º, Decreto Lei 4.657/42).

E a recíproca é verdadeira: não compete à autoridade judiciária brasileira dispor sobre bens localizados no exterior. Ou seja: se um brasileiro deixar bens fora do País, o inventário desses bens deverá se processar onde estão localizados.

No caso de um testamento internacional, tanto brasileiros quanto estrangeiros podem dispor de seus bens em outros países, mas os procedimentos para validar e executar esse testamento variam conforme as leis de cada local.

Nacionalidade(s) dos herdeiros

Na mesma toada, pouco importa a nacionalidade dos herdeiros. Se o falecido deixou bens no Brasil, os herdeiros, seja de que nacionalidade forem, deverão se submeter ao inventário no Brasil.

De outro lado, se um brasileiro deixou bens no exterior, da mesma forma, os herdeiros, de que nacionalidade forem, ainda que brasileiros, deverão se submeter ao inventário internacional, no local de situação dos bens.

Interessa, aqui, a disposição do art. 10, §2º do Decreto Lei 4.657/1942, que determina que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Um testamento internacional pode dispor sobre bens no Brasil?

Haja vista a possibilidade de que estrangeiros ou brasileiros que não possuam domicílio no Brasil, possuam bens localizados no Brasil, por consequência, é possível que seja realizado um testamento internacional, no exterior, em que se disponha quanto aos bens localizados no Brasil. Vejamos a seguir os requisitos para que o testamento estrangeiro tenha validade no Brasil.

Testamento feito no exterior tem validade no Brasil?

Sim, um testamento feito no exterior pode ter validade no Brasil, desde que cumpra os requisitos de validade do país onde foi lavrado.

A legislação e a jurisprudência brasileira prevêem que os requisitos de validade do testamento feito no exterior são aqueles previstos pela legislação do país onde foi lavrado o testamento (art. 9º, Decreto Lei 4.657/1942). Dessa forma, para se verificar se o testamento feito no exterior terá validade no Brasil, deverão ser analisados os requisitos previstos na legislação estrangeira.

Entretanto, em razão do disposto no art. 23, II do CPC, a jurisdição competente para analisar os requisitos de validade do testamento é a brasileira.

Dessa forma, deverá ser demonstrado, ao Juízo brasileiro, o cumprimento dos requisitos de validade da legislação estrangeira, de modo que o Juízo brasileiro ordene o registro e cumprimento do testamento, quanto aos bens deixados no território nacional. 

Por fim, deverá ser realizado o inventário, no Brasil, quanto aos bens localizados no território nacional, considerando as disposições testamentárias realizadas.

Nesse caso, qual o procedimento?

Quanto ao testamento internacional que dispõe sobre quanto aos bens deixados no Brasil, o procedimento é o seguinte:

  1. Primeiramente deverá ocorrer o apostilamento do testamento no país de origem, a fim de garantir sua autenticidade;
  2. Em sendo necessário, em razão do idioma, far-se-á necessária a tradução juramentada do testamento devidamente apostilado;
  3. Devidamente apostilado e traduzido, deverá o testamento internacional ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos no Brasil;
  4. Por fim, deverá ser realizada ação de registro e cumprimento de testamento, demonstrando ao Juízo brasileiro os requisitos de validade do testamento na legislação do país de origem.

É possível elaborar testamento no Brasil para bens no exterior?

O testamento elaborado no Brasil poderá prever quanto à forma de disposição de bens deixados no exterior. Entretanto, como já ressaltado, o inventário dos bens deixados no exterior deverá ser realizado no local de situação dos bens, e bem assim os procedimentos para a averiguação de validade do testamento.

E, caso também existam bens no Brasil, o inventário destes ocorre no Brasil, paralelamente ao inventário internacional. Assim, na sucessão internacional, é possível que haja a execução de inventários em diferentes jurisdições.

Tributação na sucessão internacional

Quanto a bens deixados no Brasil por estrangeiros ou brasileiros que não tenham domicílio no Brasil, havendo a necessidade de realização de inventário no Brasil, será necessária também a declaração de bens e direitos e recolhimento do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) na unidade federativa onde estão localizados os bens.

Quanto aos bens deixados no exterior por brasileiros, não há tributação no Brasil referente à transmissão causa mortis.

Inobstante, deverá ser analisada a legislação do país em que estão localizados os bens a fim de se verificar quanto à incidência ou não de taxação sobre a herança nos respectivos países.

Principais desafios da sucessão internacional/transnacional

Um dos principais desafios na sucessão internacional/transnacional é encontrar profissionais com conhecimento e experiência na área, capazes de empreender os procedimentos necessários para os trâmites do inventário.

Mesmo porque, cada país tem sua legislação, o que dificulta, por exemplo, que um advogado brasileiro, com atuação no território nacional, tenha conhecimento sobre os procedimentos necessários ao inventário de bens nos Estados Unidos.

Além disso, a tributação de bens em razão da sucessão fora do território nacional também é um assunto que gera dificuldades.

Desse modo, quanto ao testamento e inventário de bens localizados no Brasil, o mais adequado é que seja buscado um profissional com conhecimento e experiência na área de direito das sucessões no Brasil, e que tenha também conhecimento quanto às normas de direito internacional privado, de modo que os procedimentos necessários sejam tomados, no Brasil, a fim de viabilizar a ulterior partilha dos bens.

Quanto aos bens de brasileiros localizados no exterior, o mais adequado é que o herdeiro busque um advogado especializado na área, no País de situação dos bens.

Conclusão

É possível que estrangeiros deixem testamento feito no exterior quanto a bens localizados no Brasil, bem como é possível que brasileiros deixem testamento no Brasil em relação a bens localizados no exterior, viabilizando assim algum grau de planejamento sucessório, mesmo em âmbito internacional.

O planejamento sucessório internacional – a partir de um testamento internacional ou qualquer outra ferramenta  – é, portanto, essencial para garantir que bens localizados em diferentes países sejam transmitidos conforme a vontade do falecido.

Entretanto, para que sejam empreendidos os procedimentos necessários ao inventário – seja no Brasil, quanto aos bens aqui localizados; seja no exterior, quanto aos bens lá localizados –, o mais adequado é que se busque um profissional com conhecimento e experiência na área de direito sucessório e direito internacional privado, nos respectivos países de localização dos bens.

Comece hoje a planejar sua sucessão e consulte um advogado especializado para proteger a sucessão de seus bens no futuro, sejam eles no Brasil ou no exterior.

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Natanael Lud - CRON
Natanael Lud
Advogado | natanael@cron.adv.br | + posts

Mestre em Direito Processual pela PUC Minas.

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