A usucapião é um instituto jurídico que permite a aquisição da propriedade de um bem móvel ou imóvel pela posse prolongada e contínua. Entre as diversas modalidades de usucapião, destaca-se a usucapião familiar, uma ferramenta importante para regularizar a situação de imóveis ocupados por cônjuges ou companheiros após o abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro.
Neste artigo, abordaremos o conceito, a origem, a finalidade, exemplos práticos, os requisitos necessários e o processo para requerer a usucapião familiar.
O que é usucapião familiar?
A usucapião familiar, também conhecida como usucapião conjugal, é uma modalidade específica de usucapião que permite ao cônjuge ou companheiro a aquisição da propriedade integral de um imóvel cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar.
Ressalte-se que, para a caracterização dessa modalidade de usucapião, é necessário o vínculo de casamento ou união estável do casal, compreendendo todas as formas de família, inclusive homoafetivas.
Como surgiu e para que serve a usucapião familiar?
A usucapião familiar foi introduzida pela Lei 12.424/2011, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e inseriu o art. 1.240-A no Código Civil, que dispõe:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
A principal finalidade dessa modalidade é garantir o direito à moradia ao cônjuge ou companheiro que, após abandono do lar por seu ex-companheiro, permanece no imóvel como sua residência exclusiva.
Este instituto visa, portanto, assegurar a estabilidade e a segurança habitacional para aquele que permanece na posse do bem, ou seja, visa proteger o direito à moradia daquele que continua a viver no imóvel, garantindo-lhe a propriedade após o cumprimento dos requisitos legais.
Exemplo de usucapião familiar
Imagine um casal, Flávia e Lucas, eles foram casados por 10 anos e moravam juntos em um apartamento de 90 m² que compraram após o casamento. Com a separação, Lucas decidiu sair de casa e mudou-se para outra cidade, deixando Flávia e os filhos sozinhos na residência e sem qualquer tipo de assistência.
Flávia continuou morando na casa com seus filhos, utilizando o imóvel, o único que possuía, exclusivamente para sua moradia. Após dois anos da saída de Lucas, Flávia decide regularizar a propriedade do imóvel através da usucapião familiar.
Preenchidos todos os requisitos legais, ela pode iniciar o processo para adquirir a propriedade do bem.
Qual a diferença entre usucapião familiar e usucapião de herança?
A usucapião familiar é destinada a regularizar a situação de um cônjuge ou companheiro que permaneceu na posse do bem após abandono do lar, enquanto a usucapião de herança trata da aquisição de propriedade pelo herdeiro que ocupa um imóvel deixado pelo falecido sem formalização da partilha. A usucapião de herança será abordada mais detalhadamente em um artigo futuro.
Em resumo, a usucapião familiar foca na proteção do direito à moradia de cônjuges ou companheiros em casos de abandono do lar, enquanto a usucapião de herança se aplica a situações de posse de bens hereditários não formalizados. Essa distinção é fundamental para entender as diferentes aplicações e requisitos de cada modalidade de usucapião.
Quais são os requisitos para usucapião familiar?
Para requerer a usucapião familiar, é necessário atender aos seguintes requisitos:
- Posse: o cônjuge ou companheiro deve exercer a posse direta de forma exclusiva e sem oposição do ex-cônjuge ou ex-companheiro.
- Requisito temporal: o cônjuge ou companheiro deve permanecer no imóvel por, no mínimo, dois anos ininterruptos.
- Tipo de imóvel: o bem deve estar localizado em área urbana.
- Área máxima: o imóvel não pode exceder 250 metros quadrados.
- Propriedade do bem: o imóvel objeto da usucapião deve ser de propriedade de ambos os ex-cônjuges ou ex-companheiros.
- Abandono do lar: o ex-cônjuge ou ex-companheiro precisa ter abandonado o lar.
- Utilização do bem: o imóvel deve ser utilizado para residência própria ou da família.
- Não possuir outro imóvel: o cônjuge ou companheiro não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Estes requisitos visam garantir que a usucapião familiar seja aplicada apenas em situações onde há real necessidade de proteção do direito à moradia.
Um requisito que merece destaque porque acaba gerando muitas dúvidas, é a propriedade do bem, uma vez que a usucapião conjugal requer que o bem esteja em co-propriedade.
Isso significa que o imóvel em questão deve ser propriedade conjunta dos dois cônjuges, seja por meio do condomínio tradicional, ou pelo regime de bens do casamento ou união estável que constituíam.
Caso o imóvel seja de propriedade exclusiva do cônjuge que deixou o lar, não é possível reivindicar a usucapião familiar.
Além disso, esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Usucapião por abandono do lar
Tendo em vista que um dos requisitos essenciais da usucapião familiar é o abandono do lar, faz-se necessário esclarecer o que caracteriza o abandono do lar.
A usucapião por abandono do lar ocorre quando um dos cônjuges ou companheiros abandona o lar conjugal de forma voluntária e não presta assistência à família.
Portanto, não ficará caracterizado o abandono do lar se:
- houver disputa, judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel; ou
- o afastamento do lar se der devido a medida protetiva da Lei Maria da Penha; ou
- o ex-cônjuge ou ex-companheiro que saiu da residência continuar a cumprir com as obrigações de assistência, seja material ou imaterial, como pagar despesas da casa ou da família e manter o convívio familiar com os filhos.
Caso, ainda, antes de completar os dois anos, o cônjuge que saiu do imóvel adote medidas como enviar uma notificação extrajudicial ou iniciar qualquer ação judicial que manifeste o interesse em exercer os direitos de propriedade, o direito à usucapião familiar será impedido. Com frequência, utiliza-se a ação para arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo do bem comum para alcançar esse objetivo.
Como é o processo para requerer a usucapião familiar?
O processo para requerer a usucapião familiar envolve a reunião dos documentos necessários, a consulta e assistência de um advogado especializado, e a escolha entre o procedimento judicial ou extrajudicial.
Quais os documentos necessários para a usucapião familiar?
A lista de documentos necessários para requerer a usucapião familiar inclui:
- Documentos pessoais: RG, CPF e comprovante de residência do requerente.
- Comprovantes de posse: documentos que comprovem a posse contínua e pacífica do imóvel por pelo menos dois anos, como o comprovante de pagamento de contas de água, luz, IPTU, entre outros.
- Certidão de casamento ou união estável: comprovante do estado civil e da relação com o ex-cônjuge ou ex-companheiro.
- Prova do abandono: provas que comprovem o abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro.
- Planta e memorial descritivo: planta do imóvel e memorial descritivo assinado por um profissional habilitado.
- Certidões negativas: certidões negativas de débitos municipais e estaduais referentes ao imóvel.
Esses documentos são fundamentais para comprovar a posse e o cumprimento dos demais requisitos legais para a usucapião familiar.
Qual o prazo para a usucapião familiar?
O prazo mínimo para requerer a usucapião familiar é de dois anos de posse contínua e sem oposição do ex-cônjuge ou ex-companheiro. Esse prazo é contado a partir do momento em que o requerente passa a ocupar o imóvel de forma exclusiva após o abandono.
Qual o valor para a solicitação de usucapião familiar?
Os custos para a solicitação de usucapião familiar podem variar conforme o tipo de procedimento (judicial ou extrajudicial) e a complexidade do caso.
Os principais custos incluem:
- as taxas judiciais ou taxas cartoriais, a depender do tipo de procedimento adotado;
- os honorários advocatícios; e
- outros gastos, como despesas com emissão de documentação, certidões, laudos técnicos, entre outros.
É necessária a assistência de um advogado?
A assistência de um advogado é obrigatória para requerer qualquer modalidade de usucapião, inclusive a familiar, seja no processo judicial ou extrajudicial.
O advogado especializado na área poderá orientar sobre os requisitos legais e as modalidades possíveis, reunir a documentação necessária, ingressar com a ação judicial ou o pedido junto ao cartório e defender os interesses do seu cliente.
A atuação do advogado é essencial para garantir que o processo seja conduzido de forma correta e eficiente, aumentando as chances de sucesso.
É possível usucapião familiar extrajudicial?
A usucapião familiar pode ser requerida de forma extrajudicial, desde que sejam cumpridos todos os requisitos legais, conforme abordamos em nosso artigo sobre usucapião extrajudicial.
O processo extrajudicial pode ser uma alternativa mais rápida e menos onerosa em comparação ao processo judicial, uma vez que é conduzido diretamente no cartório de registro de imóveis.
Conclusão
A usucapião familiar é um importante instrumento jurídico que visa garantir a moradia e a segurança habitacional para cônjuges ou companheiros que permanecem na posse exclusiva do imóvel do casal após o abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro.
Compreender os requisitos e as aplicações dessa modalidade de usucapião e contar com a assistência de um advogado especialista na área é fundamental para aqueles que desejam regularizar um imóvel e assegurar seus direitos.
Se você tem dúvidas ou precisa de orientação sobre a ação de usucapião, familiar ou qualquer outra de suas modalidades, entre em contato conosco. Caso tenha gostado do nosso conteúdo, por favor, avalie-nos no Google. Sua opinião é extremamente valiosa para nós!
Paula Dias
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).