Ação de usucapião: conceito, modalidades e processo

A usucapião é uma das mais antigas formas de regularização de imóveis urbanos e rurais. Entenda os pontos mais importantes para quem pretende entrar com a ação ou precisa defender sua propriedade.
Usucapião - CRON

Você sabe como funciona e para que serve a ação de usucapião?

A ação de usucapião é uma das formas mais antigas de regularização fundiária existente. Por meio dela é possível que alguém que sempre exerceu a posse como se dono fosse, seja registrado na matrícula do imóvel como proprietário

A ação de usucapião abrange várias modalidades e, a partir de 2015, também pode ser feita de forma extrajudicial. A usucapião é sempre utilizada no gênero feminino: a ação de usucapião.

Neste artigo vamos tratar do conceito e origem da usucapião, bem como das modalidades e dos procedimentos para requerê-la. Compreender estas questões é útil tanto para quem pretende entrar com a ação quanto para quem precisa defender sua propriedade.

O que é usucapião?

Usucapião é uma forma de regularizar a propriedade de um bem móvel ou imóvel. Até mesmo bens que não estão regularizados, por exemplo, por não ter um registro individualizado, podem obter uma matrícula fruto da sentença de uma ação de usucapião.

A usucapião é um modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada, acrescida de demais requisitos legais.

O fato objetivo da posse + tempo + requisitos legais ocasiona a juridicidade de uma situação de fato, ou seja, converte-a em propriedade.

Origem histórica da usucapião

O termo latino usus + capio significa tomar pelo uso. A expansão territorial do Império Romano com aquisição de terras fora das fronteiras da cidade, demandava, muitas das vezes, uma forma não tradicional de aquisição de propriedade. A propriedade era conhecida como propriedade quiritária.

Para a aquisição da propriedade no direito romano se exigiam muitas solenidades que, muitas das vezes, não eram cumpridas. Assim, pela posse, poderia ser adquirida a propriedade – usus + capio. Era uma forma de sanar os vícios aquisitivos do bem.

Função social da propriedade

Como a ação de usucapião se relaciona com a função social da propriedade? Bom, a função social da propriedade atua de forma a condicionar um exercício dos poderes do dono (usar, fruir, dispor e reivindicar) de forma a contribuir com a coletividade.

Como assim? O proprietário pode e deve usar a coisa de forma a não prejudicar terceiros ou a dar uma justa e devida destinação econômico-social à coisa. Assim, na usucapião, há modalidades que a partir da prova de que o possuidor, além de ter posse com ânimo de dono, emprega uma destinação social à coisa, terá o benefício de uma redução no prazo para se conquistar a propriedade.

Por exemplo, se o possuidor constrói a moradia de sua família, ou se empreende de forma a gerar emprego, o ordenamento jurídico entende que esta pessoa merece ser mantida no bem e ter sua situação regularizada em tempo menor, pois é uma pessoa que cumpre com a função social da propriedade. Assim, por trazer este benefício à sociedade, deve adquirir a propriedade do bem em prazo menor.

Quem tem direito de ajuizar uma ação de usucapião?

A princípio, qualquer pessoa pode ajuizar uma ação de usucapião, ou seja, pode ser autora em um processo para obter a propriedade de um bem. O principal ponto para que a ação seja bem sucedida será a prova dos requisitos específicos para cada tipo de usucapião.

Importante dizer que até uma pessoa jurídica, uma empresa ou uma associação pode ser autora de uma usucapião.

Imagine uma empresa que está instalada em um imóvel e com o passar do tempo, exercendo a posse com ânimo de dono, cuidando do bem, pagando impostos (sempre pelos seus representantes legais, é claro), somado aos requisitos específicos, pretende se tornar proprietária. Ela poderá ajuizar uma ação de usucapião e colocar seu nome na matrícula do imóvel. Dessa forma, no registro constará seu nome como proprietário.

Quais são os requisitos para a usucapião?

Para a usucapião o mais importante é a prova dos requisitos exigidos para cada modalidade específica. Temos requisitos:

  • pessoais (se referem à pessoa que irá usucapir);
  • reais (se referem ao bem que é objeto da usucapião); e
  • formais (específicos para cada modalidade).

Importante salientar que não incidirá ITBI na aquisição pela usucapião, pois se trata de uma aquisição originária. No entanto, o pagamento do IPTU ou do ITR é de suma importância, pois além de significar um cuidado que o dono teria com o bem, também será exigido no momento do registro da decisão em cartório.

Requisitos pessoais

Como já destacamos, a princípio qualquer pessoa pode ser autora de uma ação de usucapião. Entretanto, uma questão técnica muito importante no estudo de um caso prático, é saber se as pessoas (possuidor e proprietário) têm alguma relação que impeça a usucapião.

Por exemplo, não cabe usucapião do curador sobre os bens do curatelado. Não cabe a usucapião entre cônjuges, salvo a hipótese específica da usucapião familiar, e nem a usucapião contra bens que estão em nome de menores de 16 anos, os absolutamente incapazes.

Também é necessário entender se a posse, ou mais especificamente a passagem do tempo, foi interrompida, ou se o prazo foi suspenso. O Código Civil nos artigos 197, 198 e 202, colacionam hipóteses importantes que um bom profissional poderá ajudar em sua verificação e aplicação em um caso concreto.

Requisitos reais

Qualquer direito real (seja a título de propriedade, servidão, enfiteuse, usufruto, uso e habitação) pode ser objeto de usucapião, apesar de o mais comum ser sobre o direito de propriedade.

Porém, bens públicos de qualquer natureza são insuscetíveis de usucapião, conforme o artigo 102 do Código Civil.

E não se admite a usucapião na modalidade ordinária (fruto de um justo título, por exemplo um contrato de compra e venda) sobre bem objeto de cláusula de inalienabilidade.

Mas nada impede a usucapião do bem de família, seja o bem de família voluntário a que alude o art. 1.711 do Código Civil, ou o descrito pela Lei nº 8.009/90.

Requisitos formais

Três requisitos formais são essenciais a qualquer modalidade de usucapião em nosso ordenamento: 

  1. o tempo (diferente para cada modalidade);
  2. a posse ininterrupta, contínua, mansa e pacífica; e
  3. o animus domini – se portar em relação ao bem como o dono se portaria. 

Acrescente-se a estes os requisitos suplementares: 

  • do justo título e a boa-fé, tratando-se da ordinária; 
  • da moradia, na usucapião especial urbana; e
  • do trabalho na usucapião especial rural.

Atenção! Boletim de ocorrência (BO), notificação extrajudicial, ou qualquer forma de comunicação não interrompe o prazo prescricional da usucapião.

A orientação é o ajuizamento da ação cabível (reintegração de posse ou reivindicatória) para que a pessoa que está exercendo posse sobre seu imóvel tenha que contratar um advogado e se defender.

Dessa forma, instaurando o contraditório (direito de defesa do invasor), e tendo uma decisão positiva, o prazo da prescrição é interrompido e, consequentemente, a posse deixa de ser pacífica.

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Modalidades de usucapião

Todos os requisitos pessoais, reais e formais serão repetidos em todas as modalidades de usucapião, no entanto, haverá o acréscimo de requisitos específicos de acordo com cada modalidade.

Usucapião de bens imóveis

Usucapião extraordinária

A usucapião extraordinária, que está no artigo 1.238 do Código Civil, é a modalidade de usucapião que tem menos requisitos específicos.

No entanto, por exigir menos requisitos, esta modalidade necessita de um extenso prazo de 15 anos de posse com ânimo de dono, sendo a posse mansa e pacífica, ou seja, sem qualquer interrupção ou suspensão.

Se o possuidor além de uma posse simples, provar que realizou no imóvel obras de caráter social (construído empreendimento que gera empregos, por exemplo) ou o utiliza para moradia de sua família, o prazo pode ser reduzido para 10 anos.

Não há exigência de boa-fé, bastando a posse simples. Assim, se o invasor de um imóvel não for retirado e o passar do tempo configurar prazo para a ação de usucapião, ele poderá solicitá-la.

Importante salientar que pode haver uma continuidade da posse. Em razão de ser longa a trajetória da usucapião, permite-se que o interessado junte período anterior de posse para usucapir, sendo que o possuidor pode acrescentar à sua posse a do antecessor, contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas (art. 1.243 do Código Civil).

Todos os períodos devem ter prova da posse, mas é uma excelente alternativa para uma pessoa que pretende adquirir um bem sem registro, uma vez que poderá se valer da posse anterior, mais a sua, para ajuizar a ação de usucapião.

Usucapião ordinária

A usucapião ordinária exige requisitos diferentes. Para esta modalidade o possuidor, para adquirir a propriedade do bem, deve, além de provar a posse com ânimo de dono, ter certeza de que é dono, uma verdadeira opinião de dono.

Por qual motivo este requisito é exigido? Porque no caso da usucapião ordinária há uma figura chamada de justo título. O justo título, que significa um documento capaz de iludir a pessoa a achar que é o dono, o proprietário, tem em si a prova da boa-fé.

Por exemplo, uma pessoa que tem um contrato de compra e venda, uma escritura pública de compra e venda com algum vício, ou qualquer outro documento que não consiga transferir no cartório de registro de imóveis a propriedade para o titular do documento, poderá pedir a usucapião do bem usando este documento para diminuir o tempo, o prazo para obter a usucapião.

O ordenamento jurídico diminui o prazo para 10 anos, conforme o artigo 1.242 do Código Civil, pois esta pessoa já percorreu um caminho, já adquiriu o bem, mas por algum motivo este documento não pode transferir a propriedade do imóvel no cartório. No entanto, este documento é uma prova da sua boa-fé e de que ela tinha quase certeza de que era a dona.

Usucapião especial urbana

A usucapião especial urbana, também chamada de pró moradia, tem como fator relevante o Direito Fundamental de Moradia – artigo 6º da Constituição Federal. Esta modalidade abrange imóveis urbanos de até duzentos e cinquenta metros quadrados, cuja posse com ânimo de dono esteja sendo exercida por no mínimo 5 anos

Não há necessidade da prova da boa-fé, aos moldes da usucapião extraordinária. O prazo é menor, pois o caráter social da moradia prevalece. O artigo 1.240 do Código Civil ainda dispõe que o autor da ação não pode ser proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural.

Usucapião especial rural

A usucapião especial rural – também é chamada de pró labore – tem como principal característica propiciar que a família que exerce a posse com ânimo de dono, em imóvel de até 50 hectares, e que torne o imóvel produtivo, tenha a possibilidade de se fixar no campo e continuar utilizando o bem para seu sustento e moradia.

O prazo exigido é de 5 anos. O artigo 1.239 do Código Civil ainda dispõe que o autor da ação não pode ser proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural.

Usucapião familiar

A última modalidade de usucapião de bens imóveis é a usucapião familiar, que também pode ser chamada de usucapião pró família, especial por abandono do lar ou conjugal.

O artigo 1.240-A do Código Civil instituiu a usucapião entre cônjuges, que só poderá ser reconhecida uma vez ao possuidor. O imóvel objeto da usucapião deve ser imóvel urbano de até 250m² e a situação que admite esta modalidade de usucapião se configura quando um dos cônjuges por abandono do lar e falta de subsistência da família, possibilitou que fosse exercida posse exclusiva do outro cônjuge por 2 anos

O conceito de posse exclusiva é importante, e foi abordado em texto sobre a usucapião familiar, que, assim como a usucapião por herdeiros, é uma modalidade de usucapião entre condôminos. Mas é interessante salientar que se um dos cônjuges deixa o lar por uma ordem de afastamento fruto da Lei Maria da Penha, por exemplo, não configura o “abandono”.

Usucapião de bens móveis

Usucapião ordinária

Segundo o artigo 1.260 do Código Civil, pode-se adquirir a propriedade de bem móvel em 3 anos, se você tiver justo título e boa-fé. A usucapião de bens móveis não é tão comum quanto a de bens imóveis, mas pode servir também como forma de regularização da propriedade.

Os requisitos são os mesmos vistos na usucapião ordinária de bens imóveis: a tríade tempo, posse – ininterrupta, contínua, mansa e pacífica e animus domini –, mais o justo título e a boa-fé.

Usucapião extraordinária

Para a usucapião de bens móveis pela forma extraordinária, ou seja, posse com ânimo de dono, sem mais requisitos específicos, o prazo é maior, 5 anos. Também há como fazer a regularização de um bem móvel sem discutir boa-fé, neste caso.

Como é o processo judicial para requerer uma usucapião?

Para fazer um processo de usucapião, o possuidor, que será o autor da ação, deve procurar um advogado especializado para adequar o seu caso à modalidade mais pertinente ao seu caso. Esta análise é de suma importância, pois serão avaliados neste momento todos os requisitos de forma detalhada.

A usucapião pode ou não ter réu. Se tiver um registro, uma matrícula com a definição do proprietário, este é o réu. Porém pode ser que não haja matrícula, e assim a usucapião não terá réu.

Saliente-se que se tiver réu que já está morto, deverão ser citados os herdeiros. E se o réu for pessoa jurídica extinta, deverão ser citados os sócios e se for pessoa jurídica falida ou sob intervenção, o síndico. Todos os confinantes deverão ser citados para se manifestarem sobre o pedido de usucapião. Isso se explica pelo fato de comprovarem que os limites do imóvel não estão avançando sobre o seu imóvel, vizinho.

Apesar de não haver um procedimento especial no Código de Processo Civil para a ação de usucapião, alguns documentos serão necessários como:

  • planta topográfica e memorial descritivo do imóvel com prova de ART;
  • certidão de endereço do imóvel;
  • matrícula do imóvel;
  • certidão de origem;
  • guia de IPTU atualizada;
  • planta básica da Prefeitura local;
  • certidão vintenária de ações em nome de todos que figurem como autores da ação, etc.

Além disso, a prova da posse pode se valer de documentos de gastos com o bem, como o pagamento de impostos, luz, água, etc. Será indispensável a oitiva de testemunhas que ajudarão a comprovar o tempo e o ânimo de dono.

Resumindo, o processo de usucapião exige um cuidado muito grande por parte do advogado e um entendimento por parte do cliente que se trata de um procedimento demorado e visto pelo judiciário com muita cautela.

Usucapião extrajudicial

A partir de uma alteração introduzida com o advento do novo CPC, Lei 13.105/15, houve a inclusão em nosso ordenamento jurídico da Usucapião Extrajudicial. O artigo 1.071 do CPC/15 realizou a inclusão na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) do artigo 216-A, com o intuito de reconhecer a propriedade de bens imóveis, tanto urbanos quanto rurais, de forma administrativa, isto é, em cartório.

Esta alteração inaugurou a possibilidade de reconhecimento do domínio por via mais célere, não obstante haver a necessidade de cumprir os requisitos que sempre foram exigidos por lei para cada tipo específico de usucapião

Assim, após a realização de alguns procedimentos específicos pelo Cartório de Notas, o pedido deve ser feito ao Cartório de Registro de Imóveis responsável pela circunscrição do imóvel usucapiendo. O autor, assim, devidamente representado por advogado, terá que, primeiramente, produzir todo o seu conjunto probatório no Cartório de Notas (produção de atas notariais que demonstram a prova dos requisitos da usucapião escolhida), antes de apresentar o seu pedido ao Cartório de Registro de Imóveis.

O registrador fará uma verificação nos moldes da que o judiciário realiza. Então, quanto melhor for esta produção de provas, mais facilidade terá o registrador para acolher a usucapião solicitada. 

Por isso, ao contrário do que pode parecer, não é pelo fato de o procedimento ser extrajudicial, que as partes não devem dar a devida atenção a todo o conjunto probatório referente à modalidade de usucapião cabível. E, por isso, a participação de um advogado, além de obrigatória, é essencial.

Conclusão

A ação de usucapião é uma das mais antigas e tradicionais formas de regularização fundiária. Tanto em área urbana, quanto em área rural, o judiciário enfrenta questões que envolvem pedidos de troca de propriedade ou de criação de uma matrícula, pela ação de usucapião. Já a forma extrajudicial foi inserida no ordenamento jurídico em 2015 para dar celeridade, mas a usucapião judicial ainda é o procedimento mais utilizado.

Um bom advogado conseguirá orientar tanto o possuidor quanto o proprietário sobre seus direitos, fazendo uma análise completa do caso concreto e direcionando o caminho a ser seguido.

Seja o possuidor interessado ou quem teve um imóvel invadido – e precisa saber como defender a posse e a propriedade do seu bem –, o mais indicado é procurar assessoria jurídica e realizar uma consulta prévia.

Se você tem dúvidas ou precisa de orientação sobre a ação de usucapião, entre em contato conosco. Caso tenha gostado do nosso conteúdo, por favor, avalie-nos no Google. Sua opinião é extremamente valiosa para nós!

Marcelo Camara - CRON
Marcelo Camara
Sócio | marcelo@cron.adv.br | + posts

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direitos Reais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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