Só é dono quem registra. É o que se pode interpretar da legislação brasileira quanto ao direito de propriedade sobre bens imóveis (art. 1.245 do Código Civil). Mas você sabia que a posse também pode garantir o direito de propriedade, desde que atendidos alguns requisitos, mesmo sem a necessidade de ação judicial? Estamos falando da usucapião extrajudicial.
Por diversos motivos, nem sempre o possuidor de um imóvel, que o tem como se dono fosse, consegue efetuar todos os atos necessários à regularização do imóvel em seu nome, ou seja, efetuar a transferência da propriedade, do dono anterior para o atual possuidor.
A não transferência da propriedade pode ocorrer por desconhecimento quanto aos trâmites legais, por razões financeiras ou por circunstâncias relacionadas às partes (óbito do possuidor ou do antigo proprietário ou situação jurídica da empresa proprietária) ou ao próprio imóvel (como a existência de um impedimento de transferência, por exemplo).
Além disso, a não transferência da propriedade pode ocorrer por nunca ter havido um negócio jurídico de compra e venda, tendo o possuidor ocupado o bem ao longo do tempo, sem qualquer oposição, mas sem um título aquisitivo.
Nesses casos, é sabido que a usucapião judicial é uma antiga opção para registrar o imóvel em seu nome. Entretanto, dependendo da situação concreta, pode ser preferível realizar a usucapião extrajudicial, ou seja, em cartório, sem a necessidade de ação judicial, o que abrevia o tempo do procedimento e tende a ser menos custoso também.
O que é usucapião extrajudicial
Usucapião extrajudicial é uma forma de aquisição da propriedade de um bem por meio do exercício da posse sobre esse bem durante um determinado período de tempo, desde que essa posse seja com ânimo de dono e sem contestação ou litígio, podendo ser regularizada a propriedade sem a necessidade de ação judicial, por meio de procedimento apenas em cartório.
Como referido em nosso artigo sobre a usucapião publicado pelo sócio Marcelo de Faria Câmara:
a partir de uma alteração introduzida com o advento do novo CPC, Lei 13.105/15, houve a inclusão em nosso ordenamento jurídico da Usucapião Extrajudicial. O artigo 1.071 do CPC/15 inserido no Livro Complementar, Disposições Finais e Transitórias, realizou a inclusão na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) do artigo 216-A, com o intuito de reconhecer a propriedade de bens imóveis, tanto urbanos quanto rurais, de forma administrativa, isto é, em cartório.
Desde 2016, a usucapião extrajudicial permite o reconhecimento do domínio do bem de forma mais célere. É importante ressaltar, no entanto, que os requisitos para a usucapião são, em suma, os mesmos daqueles exigidos nas diversas modalidades judiciais, conforme cada tipo de usucapião pretendida.
Assim, após a realização de alguns procedimentos específicos no Cartório de Notas, o pedido deverá ser feito ao Cartório de Registro de Imóveis responsável pela circunscrição do imóvel usucapiendo.
Quais as diferenças entre usucapião judicial e extrajudicial?
A principal diferença observada entre a usucapião judicial e a usucapião extrajudicial, como o próprio nome já evidencia, é em relação ao local onde será realizado. Enquanto a usucapião judicial será realizada por meio de um processo que tramitará perante o Poder Judiciário, a usucapião extrajudicial se processará por meio de procedimento não judicial, perante o Cartório de Notas e o Cartório de Registro de Imóveis competente em relação ao registro do bem.
Além disso, é possível afirmar que enquanto a usucapião judicial admite que haja litígio em relação à pretensão de usucapião, no caso da usucapião extrajudicial, é necessário que haja consenso entre as partes.
Em suma, na usucapião judicial, o juiz irá julgar o pedido, enquanto na usucapião extrajudicial, o Registrador irá apenas registrar a aquisição da propriedade.
Quais são os benefícios da usucapião extrajudicial?
Sem dúvidas, o principal benefício da usucapião extrajudicial é o fato de que o procedimento é muito mais célere do que uma ação judicial. Dessa forma, desde que atendidos os requisitos, a regularização registral do imóvel irá ocorrer de forma mais rápida do que seria em um processo judicial.
Além disso, por se tratar de um procedimento mais simplificado e mais célere do que uma ação judicial, a usucapião extrajudicial também tende a ser mais barata em relação aos honorários advocatícios.
Quem pode requerer a usucapião extrajudicial?
Os legitimados para pedir a usucapião extrajudicial são os mesmos legitimados para a usucapião judicial, ou seja, quem possuiu o bem pelo tempo necessário para a usucapião, ou seus herdeiros e sucessores, admitindo-se a soma do tempo de posse entre aqueles que exerceram a posse ao longo do tempo.
É importante lembrar que pessoas jurídicas (empresas ou associações) também podem requerer usucapião extrajudicial.
Quais são os requisitos para usucapião extrajudicial?
Os requisitos para a usucapião extrajudicial são essencialmente os mesmos exigidos para a usucapião judicial, já referidos em nosso artigo sobre o tema, acrescidos dos requisitos presentes no art. 1.071 do Código de Processo Civil (CPC), que alterou a Lei de Registros Públicos, inserindo o art. 216-A.
Em suma, os requisitos para a usucapião se dividem em requisitos pessoais, reais e formais.
Requisitos pessoais
Os requisitos pessoais estão relacionados às próprias partes. Nesse ponto, é importante aferir se há alguma relação entre o possuidor e o proprietário registral que impeça a contagem do prazo da prescrição aquisitiva. Por exemplo, não cabe usucapião:
- entre curador e curatelado;
- entre cônjuges (exceto a usucapião familiar); nem
- contra absolutamente incapazes.
Requisitos reais
Já os requisitos reais se relacionam com o próprio bem. Qualquer direito real (seja a título de propriedade, servidão, enfiteuse, usufruto, uso e habitação) pode ser objeto de usucapião.
Entretanto, bens públicos não são passíveis de serem usucapidos. Também não é passível de usucapião ordinária (lastreada em justo título) um bem gravado com cláusula de inalienabilidade.
Requisitos formais
Lado outro, os requisitos formais se relacionam com a posse exercida pelo interessado, que deve ser:
- pelo tempo necessário em cada modalidade de usucapião;
- ininterrupta, pacífica, mansa e contínua; e
- com ânimo de dono.
A depender da modalidade de usucapião, podem ser acrescentadas a necessidade de justo título e boa-fé (usucapião ordinária); moradia (usucapião especial urbana) e trabalho (usucapião especial rural).
Requisitos adicionais para a forma extrajudicial
Como dito, o Registrador irá apenas registrar a aquisição da propriedade, e para isso todos aqueles que possam ser afetados pela mudança de titularidade do imóvel devem estar de acordo com a alteração, garantindo que seus direitos sejam respeitados.
O proprietário registral, ou seja, aquele que possui seu nome registrado na matrícula como proprietário, os indivíduos que possuem algum outro direito sobre o imóvel, como usufrutuários, além dos proprietários de imóveis confinantes que compartilham limites com o imóvel em questão, são todos envolvidos no procedimento.
O Poder Público também desempenha um papel relevante nesse contexto, já que a usucapião pode envolver questões de interesse público ou administrativo. Ainda, terceiros interessados, como credores do proprietário registral que desejam penhorar o imóvel para garantir o recebimento de pagamentos devidos, também podem figurar no procedimento.
Por fim, os requisitos presentes no art. 1.071 do CPC são, em suma, os seguintes:
I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
Vale lembrar que a presença de um advogado é obrigatória, além de essencial para que os documentos necessários e os requisitos para a caracterização da usucapião sejam corretamente apresentados.
Modalidades de usucapião e os prazos de exercício da posse
Usucapião extraordinária
A usucapião extraordinária, prevista no artigo 1.238 do Código Civil, necessita do prazo de pelo menos 15 anos de posse com ânimo de dono, mansa, pacífica, sem qualquer interrupção ou suspensão. Caso haja prova de que foram realizadas obras de caráter social no imóvel, ou caso o possuidor utilize o imóvel como moradia de sua família, o prazo poderá ser reduzido para 10 anos. Não se exige que a posse seja de boa-fé.
Usucapião ordinária
Além de provar a posse com ânimo de dono, o possuidor deverá ter justo título que justifique sua posse. Um contrato de compra e venda é exemplo de justo título. Caso tenha justo título, o prazo para a usucapião será de 10 anos, conforme o artigo 1.242 do Código Civil.
Usucapião especial urbana
Abrange imóveis urbanos de até duzentos e cinquenta metros quadrados, cuja posse com ânimo de dono esteja sendo exercida por no mínimo 5 anos, sem necessidade de prova de boa-fé. O possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural.
Usucapião especial rural
Propicia que a família que exerce a posse com ânimo de dono, em imóvel de até 50 hectares, e que torne o imóvel produtivo, tenha a possibilidade de se fixar no campo e continuar utilizando o bem para seu sustento e moradia. O prazo exigido é de 5 anos, e o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural.
Usucapião Familiar
Na situação em que algum dos cônjuges abandona o lar comum, deixando todas as despesas e cuidados por conta do possuidor. Nessa situação, diz o art. 1.240-A do Código Civil que, após 2 anos de exercício da posse mansa e pacífica, o cônjuge que ficou no imóvel adquire a propriedade pela via da usucapião, desde que não possua outro imóvel urbano ou rural.
Quais os documentos necessários para a usucapião extrajudicial?
Os documentos necessários para a realização da usucapião extrajudicial estão relacionados no art. 1.071 do Código de Processo Civil e 216-A da Lei de Registros Públicos, sendo os seguintes:
- Ata notarial: documento feito pelo tabelião no Cartório de Notas, confirmando o tempo de posse do imóvel pelo requerente e, se for o caso, seus antecessores;
- Planta e memorial descritivo: desenho e descrição detalhada do imóvel, assinados por um profissional habilitado, com registro no conselho de fiscalização profissional, e assinaturas de todos os interessados dos proprietários dos imóveis vizinhos;
- Certidões negativas: documentos que mostram que não há processos judiciais envolvendo o imóvel ou o requerente, emitidos pela comarca onde o imóvel está localizado e onde o requerente mora; e
- Justo título ou outros documentos: provas que mostram a origem, continuidade, natureza e tempo da posse do imóvel, como recibos de pagamento de impostos e taxas relacionadas ao imóvel – como IPTU e contas de água e/ou energia.
Além disso, são necessários os documentos pessoais e de registro civil das partes envolvidas, como RG, CPF, Certidão de Nascimento ou Casamento, certidão de óbito de possuidores anteriores, bem como outros que possam se relacionar com a questão.
Como é o procedimento extrajudicial para requerer a usucapião?
Após a análise, por parte do advogado, de todos os documentos pré-existentes e provas da posse trazidas pelo possuidor, o passo a passo para requerer a usucapião extrajudicial se iniciará com a utilização do tabelionato de notas, onde serão realizadas atas notariais relativas à posse, a fim de certificar que o interessado exerce a posse por tempo suficiente, de acordo com a modalidade de usucapião cabível.
Em seguida, com a ata notarial referente à posse e com os demais documentos pertinentes, deve ser realizado protocolo para início do procedimento no Cartório de Registro de Imóveis competente, onde o Registrador realizará a análise dos requisitos para a usucapião.
A planta precisa conter a assinatura dos titulares de direitos reais (proprietários) e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel objeto do pedido (usufrutuários, por exemplo) e na matrícula dos imóveis confinantes (vizinhos).
Caso falte a assinatura de alguma dessas pessoas, ela será notificada pelo cartório, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento. A partir disso, poderá manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
Serão informados também o Município, o Estado e a União para que informem se há interesse público ou administrativo em relação ao imóvel. A legislação ainda prevê que o cartório deverá publicar edital em jornal de grande circulação.
Em caso de silêncio ou discordância expressa de algum dos interessados, o Registrador encaminhará o pleito ao Juízo competente, na comarca de localização do imóvel, para que o procedimento caminhe de forma judicial.
Vê-se, portanto, que para a usucapião extrajudicial, é necessário consenso.
Constando todas as assinaturas necessárias, de todos os interessados e confrontantes, e estando em ordem a documentação, o Registrador deverá registrar a aquisição do bem pela via da usucapião, sendo possível, inclusive, a abertura de nova matrícula, caso necessário.
É importante lembrar que a rejeição do pleito extrajudicial pelo Registrador não impede o ajuizamento da ação de usucapião perante o Poder Judiciário.
Qual o prazo para a usucapião extrajudicial?
Não é possível precisar um prazo para o término do procedimento, mas é possível estimar que, desde a análise dos documentos pelo advogado – passando pela lavratura de ata notarial, protocolo de documentos no Cartório de Registro de Imóveis e análise pelo Registrador –, desde que não haja qualquer oposição ou inconformidade documental, decorram algo em torno de 90 a 180 dias.
Qual o valor para a solicitação de usucapião extrajudicial?
O custo de um procedimento de usucapião extrajudicial é composto por custos cartoriais e honorários advocatícios. Os custos cartoriais seguem as tabelas de emolumentos previstas por cada Tribunal de cada Estado da Federação, e esses emolumentos são calculados, geralmente, de acordo com o conteúdo econômico em discussão (no caso, o valor do bem).
Já os honorários advocatícios irão variar de acordo com o profissional escolhido para o trabalho, de acordo com seu grau de especialização e experiência. Entretanto, é possível dizer que o custo de honorários advocatícios para a usucapião extrajudicial será, em regra, inferior ao custo de honorários advocatícios para a usucapião judicial, tendo em vista que o procedimento extrajudicial é mais célere do que o processo judicial.
É necessária a assistência de um advogado?
Além de ser obrigatória a presença de advogado, conforme previsto na legislação, é fundamental que o profissional escolhido possua experiência na área de atuação, visto que quanto melhor instruído for o procedimento extrajudicial, mais rápido se obterá o registro. E a melhor instrução do procedimento passa justamente pela capacidade de análise técnica do profissional escolhido para auxiliar na questão.
Como impugnar uma usucapião extrajudicial?
Para que a aquisição da propriedade seja registrada no Cartório de Registro de Imóveis via usucapião extrajudicial deve haver consenso entre os interessados (titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel objeto do pedido e na matrícula dos imóveis confinantes, além do Município, Estado e União).
Caso algum deles não concorde com o pedido de usucapião extrajudicial, poderá manifestar sua discordância para o Registrador por meio de informação direcionada ao Registrador, fazendo referência ao pedido.
Conforme mencionamos no tópico sobre o procedimento para a usucapião extrajudicial, havendo discordância, o processo deverá ser remetido ao Juízo competente, onde será, ao final, objeto de decisão judicial.
Portanto, apesar do art. 216-A da Lei de Registros Públicos afirmar que o silêncio dos interessados será interpretado como discordância, é importante que a discordância seja manifestada expressamente e de forma fundamentada, tendo em vista que será levada em consideração na decisão judicial. Em qualquer caso, o mais adequado é buscar o auxílio de um advogado com experiência na área.
Conclusão
Como se viu ao longo deste artigo, a usucapião extrajudicial é uma importante alternativa para a regularização de imóveis, possuindo um procedimento mais simplificado e célere para o registro da propriedade.
Entretanto, os requisitos para o reconhecimento extrajudicial do direito à usucapião são os mesmos em relação à usucapião judicial, acrescidos da necessidade de que haja consenso entre todas as partes, sendo também obrigatória a presença de um advogado.
O melhor, em qualquer caso, é buscar um profissional do direito que possua experiência e capacidade técnica para auxiliar na tomada de decisão quanto à estratégia a ser utilizada, e também para a melhor instrução do procedimento, no caso de se optar pela usucapião extrajudicial.
Da mesma forma, se você foi notificado pelo cartório para se manifestar acerca de um pedido de usucapião extrajudicial e precisa defender a sua propriedade, buscar orientação qualificada é o caminho mais aconselhável.
Se você tem dúvidas ou precisa de orientação sobre a usucapião, judicial ou extrajudicial, entre em contato conosco. Caso tenha gostado do nosso conteúdo, por favor, avalie-nos no Google. Sua opinião é extremamente valiosa para nós!
Natanael Lud
Mestre em Direito Processual pela PUC Minas.