Virada tecnológica contratual: do Contrato Eletrônico aos Smarts Contracts

A crescente digitalização trouxe mudanças ao conceito e validade jurídica de contratos. Veja as implicações na assinatura e a evolução dos smart contracts com blockchain, garantindo maior segurança e automação.
Contrato digital - CRON

É evidente que a ascensão das Tecnologias de Comunicação e Informação acarretou mudanças significativas em diversas áreas, sobretudo no âmbito do Direito. Hoje, em razão da globalização e da desmaterialização, relações contratuais outrora inerentes apenas ao meio ambiente físico, já estão inseridas no meio ambiente digital, a exemplo do comércio eletrônico, do contrato digital e dos smart contracts.

É neste contexto que o Direito Digital surge como o conjunto de normas que regem as relações jurídicas no ambiente digital. A gradativa substituição do suporte fático físico para o digital faz com que o conceito clássico e perene de “contrato” amolde-se a questões relevantes da contemporaneidade, desde a privacidade dos indivíduos, proteção de dados e regulação de inteligência artificial até aspectos de autenticidade, segurança e validade desses contratos.

O que é um contrato digital?

Surge, portanto, a figura do contrato digital ou eletrônico, instituto em que o acordo é firmado por meio eletrônico. Em outras palavras, o contrato eletrônico, devido às vicissitudes da contemporaneidade, é o negócio jurídico que a principal característica é a utilização de meios eletrônicos para a sua celebração.

Dessa forma, além da maior facilidade das contratações feitas de forma eletrônica, alguns motivos pela maior preferência da utilização dos contratos eletrônicos são:

  1. redução de custos e maior sustentabilidade, pois não há a obrigatoriedade do uso do papel;
  2. maior segurança e facilidade de armazenamento; e
  3. automação eficiente de processos e agilidade na formalização.

Nesse contexto, como se verá em seguida, no Brasil, o contrato digital, espécie do contrato eletrônico, possui como ponto distinto a utilização da assinatura digital, fundamentada pela Medida Provisória 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), e a Lei 14.063/2020, que dispõe sobre assinaturas eletrônicas.

Existe diferença entre assinatura eletrônica e assinatura digital?

De acordo com o art. 4º, incisos I e II, da Lei 14.063/2020, as assinaturas eletrônicas simples e avançadas são ferramentas de validação de contratos eletrônicos que:

  1. “permitem identificar o seu signatário”;
  2. “anexam ou associam dados a outros dados em formato eletrônico”; ou
  3. “utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento” (como tokens, dados biométricos, códigos de segurança, entre outras formas).

Por outro lado, a assinatura digital, ou “assinatura eletrônica qualificada”, na linha do que dispõe o art. 4, inciso III, da Lei supracitada, é aquela que se utiliza do certificado digital, isto é, o processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.

Em síntese, sustenta que, a assinatura eletrônica é gênero, do qual a assinatura digital é uma espécie, respaldada pelo certificado digital emitido por uma Autoridade Certificadora.

Validade jurídica de contratos eletrônicos e como verificar se um contrato digital é válido?

Sobre a validade jurídica do contrato digital ou eletrônico, é importante salientar que os requisitos são semelhantes ao contrato físico, ou seja, devem ser preenchidos os elementos do art. 104, do Código Civil:

  1. agente capaz;
  2. objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e
  3. forma prescrita ou não defesa em lei.

Não obstante haja particularidades entre o contrato eletrônico e o contrato digital, ambos possuem validade jurídica. O que, de fato, muda é a modalidade de validação de cada contrato: enquanto a assinatura eletrônica admite qualquer identificação eletrônica convencionada pelas partes (nome, e-mail, CPF), a assinatura digital exige a utilização do certificado digital.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, reconhece a validade jurídica dos contratos digitais, já que, no REsp 1.495.920/DF, ficou firmado:

“a assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de autoridade certificadora, que determinado usuário de certa assinatura a utilizará e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados”.

Por fim, necessário se faz reiterar que o grande diferencial das assinaturas digitais é que há a possibilidade de emissão de Certificados Digitais chancelados por uma Autoridade Certificadora que atesta a autenticidade e a veracidade das assinaturas.

Contratos inteligentes e blockchain

O termo “contrato inteligente”, ou smart contract, foi idealizado por Nick Szabo na década de 90, a partir do resultado das novas formas de se pensar as relações atuais – possibilitadas pela revolução digital. Segundo Szabo, os contratos inteligentes são:

“um conjunto de promessas, especificadas em formato digital, incluindo protocolos dentro dos quais as partes cumprem essas promessas”. [1]

Em outras palavras, os smart contracts são códigos de programação autoexecutáveis na medida em que as condições e regras pactuadas são satisfeitas. Assim, é dispensada a presença de intermediários, pois todo o processo é feito de forma autônoma e imutável. Implica dizer que, “se” tal condição for preenchida, “então” tal reação ocorrerá. Tudo de forma automática.

Todas essas etapas do contrato digital inteligente ocorrem por meio da tecnologia da blockchain, sobre a qual falaremos a seguir.

O que é blockchain?

Sem a pretensão de esgotar a temática, a tecnologia blockchain atua como um banco de dados descentralizado, distribuído por uma rede de computadores.

Imagine um livro-razão compartilhado, em que cada “página” representa um “bloco” contendo o registro das transações entre os usuários [2]. Esses blocos são conectados de forma cronológica, de modo a criar uma “cadeia de blocos” e, para adicionar uma transação ou informação na blockchain, cada usuário da rede precisa validar a informação.

As principais características de uma rede blockchain são:

  1. Descentralização: não há uma autoridade central que controle a rede blockchain, são os próprios usuários, os chamados “nós”, que verificam e validam as transações;
  2. Transparência: todas as transações são públicas e visíveis para todos os usuários;
  3. Imutabilidade: cada vez que uma transação é registrada e um novo bloco é formado, ele não pode ser alterado.

Qual a relação da blockchain com os contratos inteligentes?

Os smart contracts são armazenados e executados em uma blockchain, que assegura que esses contratos ocorram de forma autêntica e transparente.

Assim, nada impede que um contrato clássico de locação possa se dar de forma “inteligente” no âmbito de uma rede blockchain, por exemplo. Em uma situação hipotética, na medida em que as condições do contrato digital inteligente, escritas em código computacional, forem satisfeitas, como o pagamento, o smart contract pode liberar automaticamente as chaves digitais de acesso ao imóvel.

Vantagens e desafios

Embora haja o aumento da velocidade das transações, da segurança e da transparência, bem como a diminuição de custos com a utilização dos smart contracts, ainda há questões importantes que devem ser levadas em conta.

A elaboração de um contrato inteligente demanda conhecimento técnico avançado no que toca à elaboração dos códigos responsáveis pela execução do contrato na blockchain. Dessa maneira, é indispensável que o código não apresente falhas de segurança e que seja constantemente atualizado para evitar erros na execução do contrato.

Por fim, a falta de uma regulação específica de redes blockchain dificulta uma maior adoção dos contratos inteligentes.

Conclusão

A transição dos contratos físicos para os contratos eletrônicos, sobretudo os contratos inteligentes, reflete, como defende o nosso sócio Dierle Nunes, uma virada tecnológica no campo do Direito, sendo necessário não alterar, mas revisitar diversos institutos jurídicos, inclusive o Direito Contratual.

O contrato digital, agora com validade jurídica reconhecida, oferece, além de maior eficiência e segurança, diversos desafios. Da mesma forma, os contratos inteligentes prometem revolucionar as transações em várias áreas, automatizando processos e eliminando intermediários, mas, assim como na relação entre inteligência artificial e ética, também exigem cautela em sua implementação.

O futuro dos contratos, sem dúvida, está ligado ao exponencial desenvolvimento tecnológico e à capacidade das legislações de acompanhar e regular esses avanços, garantindo segurança, autenticidade e validade jurídica em um contexto cada vez mais digitalizado.

Se você tem dúvidas e precisa de orientação sobre esse tema ou gostaria de conhecer melhor os nossos serviços, entre em contato conosco.

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[1] SZABO, Nick. Smart Contracts: Building Blocks for Digital Free Markets, 1996.

[2] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System, 2008.

Mathaus Miranda - CRON
Mathaus Miranda Maciel
Advogado | mathaus@cron.adv.br | + posts

Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

Membro do Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia (DTec) da UFMG. Pós-graduando em Direito Privado, Tecnologia e Inovação pela EBRADI/SP. Foi membro do Grupo de iniciação Científica “Responsabilidade Civil: desafios e perspectivas dos novos danos na sociedade contemporânea” pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

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