A dissolução do casamento no Brasil passou por uma importante evolução, saindo de um processo complexo e cheio de entraves para um direito fundamental e incondicionado. Hoje, a vontade de um dos cônjuges em não mais permanecer casado é o único requisito para o divórcio.
Quando essa decisão não é mútua, surge a necessidade do divórcio unilateral, também conhecido como divórcio impositivo, ferramenta essencial para quem deseja seguir em frente, mesmo sem a concordância da outra parte.
Este artigo explora o conceito, a evolução e o funcionamento prático do divórcio unilateral no Brasil, com base nas leis e nas mais recentes decisões dos tribunais superiores, incluindo as propostas de mudança para o futuro, como a Reforma do Código Civil.
O que é o Divórcio Unilateral?
O divórcio unilateral é a forma de dissolução do casamento em que apenas um dos cônjuges manifesta a intenção de se divorciar. Diferente do divórcio consensual, em que há um acordo prévio sobre a partilha de bens, guarda dos filhos e pensão alimentícia, no divórcio unilateral, a outra parte não concorda com o fim da união, está em paradeiro desconhecido ou simplesmente não responde.
A principal característica desse tipo de divórcio é o seu caráter de direito potestativo, ou seja, um direito que se exerce pela simples manifestação de vontade, sem que a outra parte possa impedi-lo.
Diferenças para o divórcio consensual e requisitos
A maior diferença está no consenso. Enquanto no divórcio consensual as partes já têm um acordo, no unilateral, o processo é iniciado judicialmente pela parte interessada e a discordância do outro cônjuge leva o caso para a esfera litigiosa.
Em relação aos requisitos, a grande mudança legislativa no Brasil é que, hoje, não é mais necessária uma justificativa para o divórcio. O direito de se divorciar é garantido pela lei. No entanto, é comum que a ação unilateral seja motivada por questões como:
- Violência doméstica: em casos de agressão física, psicológica ou moral, o divórcio unilateral é fundamental para a proteção da vítima.
- Separação prolongada: a separação de fato do casal por um longo período, sem perspectiva de retorno, é uma razão comum para o divórcio unilateral. Neste ponto, vale ressaltar a figura da usucapião familiar, que permite a um dos cônjuges adquirir a propriedade integral do imóvel do casal, caso o outro tenha abandonado o lar por mais de dois anos sem prover a família de ajuda material.
- Falecimento de uma das partes durante o processo: em uma decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a possibilidade de o divórcio ser decretado mesmo que um dos cônjuges venha a falecer após o início da ação judicial, garantindo o direito à dissolução do casamento.
Evolução Legislativa e Jurisprudencial
A história do divórcio no Brasil mostra um caminho de desburocratização. A Emenda Constitucional 66/2010 foi um marco, alterando a Constituição Federal para suprimir a exigência de prévia separação judicial ou de fato para que o divórcio fosse concedido. Com isso, o divórcio se tornou um direito incondicionado e passou a depender apenas da vontade de uma das partes.
Contudo, a aplicação prática do divórcio unilateral em cartório gerou polêmicas. A Recomendação CNJ 36/19 veio para frear a regulamentação por tribunais estaduais, impedindo que criassem procedimentos internos para o divórcio extrajudicial unilateral sem previsão legal específica. O argumento é que a dissolução litigiosa, por envolver oposição de uma das partes, precisa de um processo judicial para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Mais recentemente, o Tema 1.053 do STF (2023) reforçou o entendimento de que a separação judicial não é mais um requisito para o divórcio, consolidando o caráter de direito potestativo da dissolução do vínculo matrimonial.
Em 2025, o julgamento do REsp nº 2.189.143/SP pelo STJ tratou sobre o direito potestativo ao divórcio reforçando a necessidade de decretação de divórcio em julgamento antecipado parcial de mérito. Importante destacar que este Recurso Especial também tratou da impossibilidade de reconhecimento de direito real de habitação, por ser um instituto de direito sucessório, ou seja, concedido ao cônjuge sobrevivente para preservar seu direito de moradia, não podendo ser aplicado no divórcio por analogia.
Portanto, o entendimento pacificado atual é de que o divórcio unilateral deve ser realizado por meio de processo judicial e pode ser decretado já no início do processo, sem a necessidade de aguardar possíveis definições sobre partilha de bens, guarda e alimentos.
O futuro do divórcio unilateral no Brasil
A tendência é de ainda mais simplificação. A proposta de Reforma do Código Civil, com a inclusão do artigo 1.582-A, visa permitir o divórcio unilateral extrajudicial (em cartório), sem a necessidade de justificativa, bastando a notificação do outro cônjuge. De forma similar, o PL 3.457/19 propõe a criação do artigo 733-A no Código de Processo Civil, que também permitiria o divórcio unilateral diretamente no cartório de registro civil, desde que não haja filhos menores ou incapazes.
Como funciona o processo do divórcio unilateral?
O processo de divórcio unilateral é realizado na Justiça, já que existe uma discordância entre os cônjuges. Ele só poderia ser feito em cartório se houvesse uma mudança na legislação que permitisse a notificação extrajudicial do cônjuge que não concorda.
O divórcio sempre se torna judicial quando:
- Não há consenso entre as partes.
- Existe a necessidade de discutir a partilha de bens, guarda dos filhos e pensão alimentícia.
- Há filhos menores ou incapazes.
Divórcio unilateral judicial
Este é o procedimento padrão para o divórcio unilateral no Brasil. Em geral, o processo segue as seguintes etapas:
- Ingresso da ação: o cônjuge interessado, por meio de um advogado, entra com a ação de divórcio na Vara de Família.
- Citação do outro cônjuge: a parte contrária é notificada para se manifestar.
- Discussão das questões pendentes: o juiz, com base nas provas e argumentos apresentados pelas partes e seus advogados, decide sobre a partilha, guarda e pensões. Se a única questão for o divórcio em si, o juiz pode decretá-lo liminarmente (de imediato), para que a vida dos cônjuges não fique em “stand by” e a discussão do resto continue.
- Sentença e averbação: ao final, o juiz profere a sentença, que dissolve o casamento. A decisão é levada ao cartório para a devida averbação na certidão de casamento.
O tempo de duração de um divórcio unilateral pode variar de meses a anos, dependendo da complexidade das questões, mas como já destacamos é possível que o divórcio seja decretado liminarmente e as questões secundárias sigam sendo discutidas em seguida.
Os custos envolvem as custas judiciais e os honorários advocatícios, que podem ser gratuitos com a Defensoria Pública em caso de hipossuficiência.
Para dar entrada no processo, os documentos necessários geralmente incluem:
- Certidão de casamento atualizada.
- Documentos pessoais dos cônjuges (RG, CPF, comprovante de residência).
- Pacto antenupcial e pacto pós-nupcial, se houver.
- Documentos de bens e dívidas (matrículas de imóveis, extratos bancários, notas fiscais de veículos, etc.).
- Certidão de nascimento dos filhos, se houver.
Divórcio unilateral em cartório (extrajudicial)
Atualmente, o divórcio em cartório só é possível se for consensual e se o casal não tiver filhos menores ou incapazes.
O que se discute é a possibilidade de o divórcio unilateral extrajudicial se tornar realidade no futuro. A ideia é que, se algum dos projetos de lei for aprovado, o processo extrajudicial também poderia ser usado mesmo sem consenso. Nesse caso, o divórcio unilateral poderá ser realizado on-line, pelo e-Notariado e levado ao Cartório de Registro Civil.
Processos em debate: as propostas da Reforma do Código Civil (PL 4/2025) e do PL 3.457/19 estabelecem um novo rito, no qual um dos cônjuges poderia ir ao cartório de registro civil e pedir a averbação do divórcio, desde que a mulher não esteja grávida e não haja filhos incapazes. O outro cônjuge seria notificado para tomar ciência do ato.

Principais dúvidas sobre divórcio unilateral
Preciso informar o motivo para pedir o divórcio unilateral?
Não. Após a Emenda Constitucional 66/2010, o divórcio passou a ser um direito incondicionado. Você não precisa justificar o motivo pelo qual deseja se divorciar.
O outro cônjuge pode impedir o divórcio?
Não. O divórcio é um direito potestativo. A discordância da outra parte não impede a dissolução do casamento, mas sim transforma o processo em judicial e litigioso, onde as demais questões (bens, guarda, pensão) serão decididas por um juiz.
Posso entrar com divórcio unilateral mesmo com filhos menores?
Sim. A presença de filhos menores ou incapazes não impede o divórcio unilateral, mas exige que o processo seja obrigatoriamente judicial e com a participação do Ministério Público para garantir os direitos das crianças e adolescentes.
Preciso de advogado no divórcio unilateral?
Sim. A presença de um advogado ou defensor público é obrigatória em qualquer tipo de divórcio, seja judicial ou extrajudicial.
Conclusão
O divórcio unilateral é uma ferramenta jurídica essencial para a autonomia e dignidade das pessoas. Ao longo dos anos, a legislação e a jurisprudência brasileiras evoluíram para simplificar o processo, reconhecendo o direito individual de se divorciar.
Embora as questões de partilha, guarda e pensão ainda exijam um processo litigioso em caso de discordância, o vínculo matrimonial em si não pode mais ser mantido contra a vontade de uma das partes. As propostas de reforma legislativa para o divórcio em cartório sinalizam uma tendência de desjudicialização ainda maior, o que tornaria o processo de dissolução de casamento mais rápido e acessível no futuro.
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Marcelo Camara
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direitos Reais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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