O casamento é um ato que vai muito além do afeto e da vida a dois. Ele cria uma série de efeitos jurídicos, especialmente no que tange ao patrimônio do casal. A escolha do regime de bens é uma das decisões mais importantes nesse processo, pois define como os bens adquiridos antes e durante a união serão administrados e partilhados.
O regime de bens padrão no Brasil é a comunhão parcial de bens, mas os noivos podem, antes de celebrar a união, optar por outro, com a elaboração de um pacto antenupcial. Ademais, caso o regime escolhido inicialmente deixe de atender às necessidades do casal, é importante saber que é possível promover a alteração de regime de bens após o casamento – ou a união estável – pelo pacto pós-nupcial.
Este artigo explora os regimes de bens existentes, o procedimento para a alteração de regime de bens, a relação com o planejamento patrimonial da família e as possíveis mudanças com a reforma do Código Civil.
Quais são os regimes de bens existentes?
O regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as questões patrimoniais de um casamento ou união estável. A sua escolha deve ser feita no momento da habilitação para o casamento ou, no caso da união estável, por meio de um contrato.
Conforme o Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), os regimes de bens são:
Comunhão Parcial de Bens
Este é o regime padrão no Brasil, aplicado por lei quando não há pacto antenupcial. Neste modelo, todos os bens adquiridos de forma onerosa durante o casamento são considerados patrimônio comum do casal, enquanto os bens adquiridos individualmente antes da união e os recebidos por doação ou herança (bens particulares) permanecem de posse exclusiva de cada cônjuge.
Comunhão Universal de Bens
Nesse regime, todos os bens, passados e futuros, se comunicam, formando um único patrimônio do casal. Isso inclui bens adquiridos antes e depois do casamento, doações e heranças. Para escolher este regime, o casal deve realizar um pacto antenupcial, que é um contrato firmado antes do casamento em um cartório de notas – e que pode ser feito de maneira digital pelo e-Notariado.
Separação Total de Bens
Aqui, não há comunhão de bens. Cada cônjuge mantém a propriedade e a administração exclusiva de seus bens, sejam eles anteriores ou posteriores ao casamento. Para adotar a separação total, é necessário um pacto antenupcial.
Participação Final nos Aquestos
Este é um regime menos comum e híbrido. Durante o casamento, cada cônjuge administra seu próprio patrimônio, como na separação total. Contudo, em caso de dissolução da sociedade conjugal, os bens adquiridos onerosamente pelo casal (os “aquestos”) são partilhados de forma igualitária, como na comunhão parcial.

É possível alterar o regime de bens após o casamento?
Sim, a alteração do regime de bens após o casamento é plenamente possível, desde o Código Civil de 2002. Diferentemente do Código Civil de 1916, que considerava o regime de bens irrevogável, a legislação atual permite essa modificação, desde que haja um procedimento judicial. O artigo 1.639, § 2º, do Código Civil estabelece que a alteração pode ser feita por meio de uma autorização judicial, em um processo de jurisdição voluntária.
Essa possibilidade também se estende à união estável, onde o contrato de convivência pode ser revisto a qualquer momento, desde que haja consenso entre as partes. Nesse caso, não há necessidade de uma ação de alteração de regime de bens, os companheiros podem promover a alteração de regime de bens extrajudicial, ou seja, diretamente em cartório.
A necessidade de alteração do regime de bens pelo pacto pós-nupcial pode surgir por diversos motivos, tais como:
- Mudança de vida: um casal que optou pela comunhão parcial, por exemplo, pode querer alterar para a separação total ao iniciar um novo negócio de alto risco, buscando proteger o patrimônio familiar.
- Ajuste patrimonial: casais que herdaram patrimônio ou bens de grande valor podem querer reavaliar a forma como administram seus ativos.
- Planejamento sucessório: a alteração do regime de bens também pode ter o objetivo de simplificar ou otimizar a sucessão em vida.
Requisitos legais para pedir a alteração
Para que a alteração do regime de bens seja autorizada judicialmente, é necessário atender a alguns requisitos, conforme o artigo 1.639, § 2º, do Código Civil e o artigo 734 do Código de Processo Civil:
- Requerimento de ambos os cônjuges: o pedido deve ser feito em conjunto e de forma consensual. Isso visa garantir que a decisão seja mútua e livre de coação.
- Motivos relevantes: o casal deve apresentar razões justificadas e convincentes para a mudança. A justificativa serve para demonstrar a seriedade da intenção e evitar fraudes contra terceiros.
- Não prejuízo a terceiros: é fundamental que a alteração não prejudique os interesses de credores ou terceiros. O juiz fará uma análise criteriosa para garantir que a mudança não seja uma tentativa de fraudar a execução de dívidas.
Passo a passo do procedimento
Para se promover a alteração de regime de bens após o casamento, é necessário ajuizar uma ação de alteração de regime de bens. Abaixo destacamos o passo a passo do procedimento na Justiça:
- Petição inicial: o procedimento é iniciado com uma petição assinada por um advogado. A petição deve ser protocolada perante a Vara de Família, contendo os documentos necessários.
- Manifestação do Ministério Público: em alguns casos, a depender do juízo, o Ministério Público é intimado para se manifestar sobre o pedido, especialmente para verificar a ausência de fraude.
- Sentença judicial: após a análise do juiz, se todos os requisitos forem cumpridos, o pedido é julgado procedente. A sentença autoriza a alteração do regime de bens por meio do pacto pós-nupcial e determina as averbações necessárias.
- Averbação no registro civil: com a sentença em mãos, o casal deve levá-la ao Cartório de Registro Civil onde o casamento foi registrado para averbar a alteração na certidão de casamento.
- Averbação na matrícula dos imóveis: se houver imóveis em nome do casal, a averbação na matrícula do imóvel da alteração do regime de bens também deve ser feita, no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Já na união estável, os companheiros podem realizar a alteração de regime de bens em cartório, sem a necessidade de acionar a justiça, conforme previsto no Provimento 141/2023 do CNJ.
O procedimento é realizado em qualquer Cartório de Registro Civil, por meio de uma escritura pública que será averbada no registro da união estável. E, nesse caso, é necessário cumprir alguns requisitos:
- A união precisa estar formalmente registrada;
- A alteração deve ser consensual entre os companheiros;
- Os companheiros precisam ser legalmente capazes;
- A alteração não pode prejudicar terceiros e credores.
Reforma do Código Civil: o que deve mudar?
A comissão de juristas responsável pela reforma do Código Civil propôs mudanças significativas sobre diversos tópicos, como os Direitos Reais, o Direito Digital e a herança digital e também o Direito de Família – este último que poderá impactar diretamente os regimes de bens.
Atualmente, o procedimento de alteração do regime de bens durante o casamento, como visto, exige uma ação judicial de jurisdição voluntária. A proposta visa desjudicializar e desburocratizar essa alteração, permitindo que o casal a realize diretamente em um Cartório de Notas (ou pelo e-Notariado), por meio de uma escritura pública, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Essa mudança simplificaria o processo, reduzindo tempo e custos para os casais, além de aliviar a carga de processos nos tribunais, permitindo a alteração de regime de bens extrajudicial também no casamento (e não apenas na união estável), desde que o casal atenda aos mesmos requisitos atuais, como a concordância mútua e a não ocorrência de prejuízos a terceiros. A medida visa dar maior autonomia aos cônjuges na gestão de seus bens, tornando o processo mais ágil e alinhado com as necessidades da sociedade moderna.
Qual a relação entre o regime de bens e o planejamento patrimonial?
O regime de bens é uma ferramenta fundamental no planejamento patrimonial e sucessório de uma família. A sua escolha ou alteração impacta diretamente a proteção de bens, a sucessão, a condução de negócios e a segurança familiar.
Um regime de bens adequado pode:
- Proteger o patrimônio: a adoção da separação total de bens pode proteger o patrimônio de um dos cônjuges em caso de falência ou endividamento do outro.
- Viabilizar negócios: a separação de bens pode ser primordial para casais que são sócios em empresas, permitindo que cada um responda individualmente por seus atos empresariais.
Casos práticos
A alteração do regime de bens pode ser uma solução para diferentes cenários. Veja dois exemplos práticos:
- Alteração de Comunhão Universal para Separação Total: um casal que optou pela comunhão universal no passado pode, ao longo do tempo, desenvolver negócios de risco. Para proteger o patrimônio familiar, o casal decide alterar o regime para a separação total, assegurando que os bens familiares não sejam afetados por dívidas empresariais.
- Alteração de Separação Total para Comunhão Universal: em outro caso, um casal que optou pela separação total por receio de dívidas de terceiros, após muitos anos de união e aquisição de bens, pode decidir alterar para a comunhão universal, demonstrando a intenção de unificar o patrimônio e garantir que ambos os cônjuges tenham direitos sucessórios sobre a totalidade dos bens.
Conclusão
A escolha do regime de bens é uma decisão que molda o futuro financeiro e familiar de um casal. A possibilidade de alterá-lo, introduzida pelo Código Civil de 2002, oferece flexibilidade e permite que os casais adaptem sua realidade jurídica às suas necessidades.
Tanto a escolha inicial quanto a alteração do regime de bens após o casamento ou a união estável devem ser feitas de forma consciente, com o auxílio de um profissional especializado, para garantir a segurança jurídica e patrimonial do casal e de seus herdeiros.
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Marcelo Camara
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direitos Reais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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